I
Na treva sombria de sacra tristeza,
Gemendo se envolvem a terra e os céus,
E a alma do crente num cântico acesa,
Revolve na idéia, suplício de um Deus.
Recorda a cidade que outrora folgando
Sorria descrente de um Deus à paixão,
E hoje proscrita lá dorme escutando
Do Eterno a palavra que diz: “Maldição!”
De Cristo os martírios, a dor tão intensa
De santa humildade, são provas fiéis,
E as gotas de sangue, as bases da crença,
Da crença que fala nos povos, nos reis!
Entremos no Templo, e um cântico d’alma
Em ondas de incenso mandemos aos céus,
E ao mestre divino, de mártir com a palma,
Curvados oremos num cântico a Deus!
II
Senhor! entre apupadas dos algozes
Foste levado ao cimo do Calvário
Para a morte sofrer!
De Deus ouviste as tão sagradas vozes,
Cheio de sangue envolto em um sudário
Tu quiseste morrer!
Quiseste, porque assim se revogava
Da pena eterna a tão fatal sentença
Que o pecado traçou!
E o sangue que teu corpo derramava
Era alto preço e animava a crença,
Que o pecado abismou!
E caminhaste ao Gólgota, levando
A cruz onde por nós foste cravado:
Cruenta imolação!
O sangue teu em jorros borbotando,
E teu corpo de açoites tão chagado,
Sem dó, sem compaixão!
Oh! Cristo! e tu sofreste tais injúrias!
Foste arrastado ao cimo do Calvário,
Morto a plebe te quis!
Não quiseste embargar o ardor das fúrias;
Tu, cuja voz a Lúcifer tartáreo
Curva a negra cerviz!
“Perdoai-lhes, Senhor!” disseste, quando
Quase a expirar os olhos levantaste
Ao céu anuviado,
E já da morte gélido arquejando,
Com fraca e triste voz pronunciaste:
“Tudo está consumado!”
E o mundo remiu-se! De Deus à morada,
Gozando outra vida, se eleva Jesus!…
Cristãos! penetremos a casa sagrada,
E a Cristo adoremos em torno da cruz!
Povos, curvai-vos
A redenção do mundo consumou-se.
JOÃO DE LEMOS